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Paulo de Lencastre

Viagem ao Tantra

Updated: Mar 15

As suas figuras, mulheres, homens, bichos e deuses, entrelaçados, sorrindo, elevando-se em pirâmide ao céu, são um hino à eterna criação. Nada se perde, tudo se transforma. Hoje são um símbolo do tantra. 


A menina pergunta ao velho sábio: –Swami, o que é o tantra?


O homem olha para o infinito e começa a dizer. O tantra somos nós. São as aves e os peixes, a mulher e o homem, o sol e a lua. Há três olhares no universo: o yantra, o mantra e o tantra. O yantra é como somos feitos: os nossos olhos, os nossos ouvidos, a nossa boca. O mantra são os nossos sentidos, que nos permitem relacionar com o outro, é a nossa dualidade, o feminino e o masculino, o olhar, o ouvir, o tocar. O tantra é a síntese, é quando a dualidade se une, quando o amor cruza a diferença e alimenta a vida.


Não há duas flores iguais. Não há dois seres iguais. Não há duas impressões digitais iguais. Todos nós somos únicos. Mas também toda a natureza – as pedras, os rios, as árvores, os bichos, todos nós – somos um conjunto de átomos. Todo o átomo é composto de eletrões, protões e neutrões. O eletrão é a energia necessária à vida. O protão é o seu recetáculo. O neutrão é a síntese, é a explosão criadora do eterno renascer. Quando os grandes físicos da terra se reuniram há 10 anos na Suíça para assistir a uma explosão de neutrões, viram que há sempre uma parcela não divisível. Essa parcela é deus. Deus está na poeira da terra e nos astros das galáxias.  


Swami Ganga – sábio do Ganges, o rio sagrado – tem um ashram em Khajuraho. Chama-se Hotel Harmonia. Abriga quem vem à procura de um dos grandes enigmas da Índia antiga, os templos da arte erótica de Khajuraho. Têm mil anos. A história turística é simples. Dantes a Índia era uma cultura liberta, mulheres e homens não escondiam os corpos, o sexo era expressivo, alegre, erótico. Tudo isto desapareceu com as invasões muçulmanas. Do vizinho Afeganistão hordas de conquistadores no século XII fizeram desaparecer para sempre esta cultura. A bela Índia, violada, nunca mais foi igual, mesmo depois de liberta. Os templos de Khajuraho ficaram submersos durante séculos pela densa floresta tropical. E, quando no seculo XIX foram reencontrados pelos ingleses, passaram a símbolo universal do jardim do Éden, versão oriental do pecado original de Adão e Eva, deleite dos ocidentais inconformados com a castidade purificadora judaico-cristã.      


O Swami explica: para o tantra não há pecado. Não há certo nem errado, há a aceitação universal. Os templos de Khajuraho foram há mil anos a primeira expressão esculpida desta tradição. As suas figuras, mulheres, homens, bichos e deuses, entrelaçados, sorrindo, elevando-se em pirâmide ao céu, são um hino à eterna criação. Nada se perde, tudo se transforma. Hoje são um símbolo do tantra. 


–Swami, o Kama Sutra também é tantra? É um grave erro histórico confundi-los. O Kama Sutra é um manual prático de posições sexuais. Como existem outros, noutras culturas, até mais antigos como na China. O tantra é o nosso corpo todo voltado para o amor. O sexo é yantra, o erotismo é mantra, o amor é tantra. 


 –Swami, qual é a relação entre o yoga e o tantra? São tradições diferentes. O yoga é disciplina, é respiração programada, é meditação calendarizada, é o corpo em exercício. O tantra é o corpo solto, livre, espontâneo, é o corpo em prazer. É entrar no rio e pegar na folha que a água leva, acarinhá-la, não haverá outra folha igual, outra água igual, outro prazer igual. Para o tantra não interessa nem o passado nem o futuro, interessa viver o presente, todos os presentes, porque todos são únicos, nenhum se repete. É ousar fazer o que nos apetece, agora, com os outros, com amor. 


–Qual é a relação do tantra com a religião? O tantra é uma tradição hinduísta, mas não é proselitista, não quer converter ninguém. Quando passo num templo budista rezo a deus, quando passo numa igreja cristã rezo a deus, quando passo numa mesquita muçulmana rezo a deus. O tantra é a síntese da diferença, é a unidade da dualidade, é não seguir pelos extremos, é procurar o caminho do meio. 


Krishna, Patanjali, Buda… o último grande mestre foi Gorakh. Swami Ganga olha o vazio e deixa-nos suspensos…  O seu silêncio é o espaço da nossa liberdade. Encantado, como nasci cristão, incluo Jesus. E, ao abraçar o meu amigo muçulmano, incluo Maomé.


Khajuraho, março de 2023

Paulo de Lencastre

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