Famílias inteiras empoleiradas em motas. Indianos que mais pareciam sábios ou gurus a tirar selfies. Vacas a pastar no meio da rua como se de cães vadios se tratassem. Palácios riquíssimos lado a lado de prédios podres.
Entre carros, pessoas, lixo, vacas, cães, gatos, comida, tecidos, bicicletas e tudo o que possa caber numa rua… Um hostel recolhido, numa via estreita, alheio à confusão dantesca do bairro de Pahar Ganj, em Nova Deli.
Fiquei a pensar se esta seria uma tendência por aqui e acredito que sim: com as vias principais tão saturadas, há construções, como este hostel, que aos poucos vão fugindo para dentro de ruelas (semelhantes às ilhas, no Porto) onde encontram espaço e recolhimento.
Nestes lugares, o contraste com a confusão das ruas principais é tal que parece que descemos ao subsolo ou estamos dentro de cavernas. Em pelo menos três lugares onde passei hoje o cenário repetiu-se: de repente, enfiamo-nos num labirinto de ruas estreitas (um guia a indicar o caminho, claro) e estamos num hotel, num restaurante, numa loja. Não há praticamente janelas ou ruído nestes lugares, porque estamos longe da rua. A sensação é de maior segurança, por um lado, sim, mas também de uma certa prisão. Há pouca luz, há pouco sol.
É impensável a existência de uma varanda com espreguiçadeiras ou de uma esplanada ao ar livre num lugar como este. A forma como se convive com a rua é desconcertantemente diferente de tudo o que já vi até hoje.
A confusão é tal que não há espaço para medo. A sujidade é tal que não há espaço para nojo. Há apenas a necessidade, espontânea e imposta, de se estar alerta, porque tudo desperta os sentidos.
Hoje vi de tudo nas ruas de Deli. Um grupo de três cegos entrelaçados uns nos outros a andarem pelos milhares de carros. Famílias inteiras empoleiradas em motas. Indianos que mais pareciam sábios ou gurus a tirar selfies. Vacas a pastar no meio da rua como se de cães vadios se tratassem. Palácios riquíssimos lado a lado de prédios podres. Hoje vi de tudo, sim, mas, na verdade, sinto que não consegui ver nada. Não verdadeiramente. Falta-me compreender este lugar. Falta-me saber assimila-lo.
Em 10 dias é tarefa impossível, mas quem sabe aos poucos esta descrição enriquece…
[Na parede do hostel, marcas de um ex-hóspede português levaram a que tentasse explicar o significado da palavra saudade a um dos primeiros indianos que conheci. Uma referência familiar e inesperada à chegada de Deli.]
Nova Deli, novembro de 2017
Teresa de Lencastre
Fotografias de Paulo de Lencastre, pai da autora.
Nota do editor: Pahar Ganj é um bairro da cidade de Nova Deli e a principal estação ferroviária da capital indiana. É conhecido pelos inúmeros hotéis e pensões de baixo custo, restaurantes de rua, além de todo o tipo de lojas, cujos clientes são mochileiros, viajantes indianos e estrangeiros. As Ilhas no título são a comparação da autora com as ilhas do Porto.
Muito interessante.
Já estive na Índia, mas não nesse lugar . Parte da descrição corresponde a outros que vi